quarta-feira, 16 de março de 2016

Tron

Em 2010, chegava aos cinemas Tron - O Legado. Um legado que muitos que nasceram pós década de 80 devem desconhecer. Entretanto, eu assisti e fiquei impressionado. Não que julgasse que tivesse um roteiro excelente (algo que prezo muito em qualquer coisa que vejo), mas acho que fui tomado pela atmosfera do filme. Tanto que acabei “comprando” (escolhi qual ia ganhar) o celular usado pelo personagem principal (Nokia N8 azul metálico <3) e o meu toque do telefone até hoje é o excelente tema Derezzed criado por Daft Punk para a trilha sonora. Já deu para ver que não gosto nem um pouco do filme, né? rs. É porque eu amo mesmo.
Pois então, eu estava vivendo a minha vida sem ter acesso ao primeiro filme, Tron - Uma Odisséia Eletrônica de 1982, quando a Netflix, vulgo minha alma gêmea, o colocou no catálogo em Dezembro do ano passado. Sim, eu adiei bastante, mas o dia chegou, eu assisti e aqui vai uma coluna falando sobre esses dois filmes maravilhosos que todo fã de ficção científica tem quase obrigação de ver!

Tron - Uma Odisséia Eletrônica
Antes de assistir o filme você tem que ter algo em mente: ele é de 1982! Não tem como dizer “nossa, os efeitos são péssimos, como fizeram isso?”. Por favor, vamos ser racionais e pensar em como devia ser na época. É só pensar um pouco na série clássica de Star Wars que podem ter uma noção do que nos espera. Porém, há algo a mais. Ele foi feito praticamente todo de Computação Gráfica, ou CGI. Ao invés de uma locação dentro do estúdio construída para fazer uma cena, como um interior de uma nave em Star Wars por exemplo, eles usaram a computação para criar o cenário e alguns elementos do filme.
Analisando esse ponto com a tecnologia da época, eu achei o resultado sensacional. E para explicar a necessidade do CGI vou dar uma sinopse rápida do filme: Kevin Flynn é um ótimo engenheiro de software e trabalha em uma empresa chamada ENCOM. Ele desenvolve ótimos jogos para a empresa, mas antes de conseguir entregá-los, é roubado por Ed Dillinger, que entrega os projetos como se fossem dele e acaba promovido para vice-presidente, enquanto Kevin é demitido. Então, para provar que os projetos foram desenvolvidos por ele, Flynn tenta entrar no sistema para pegar cópias do arquivo, mas não consegue devido ao Programa de Controle Mestre (MCP) destruir todos os programas invasores que ele inventa. Em uma das tentativas, MCP acaba digitalizando Flynn, o transformando em um programa dentro do sistema da ENCOM.
E é aí que temos o uso do CGI. No começo do filme, vemos o “mundo” onde os programas vivem. É como se o sistema da empresa fosse um mundo e os programas do sistema, pessoas com um determinado tipo de função. Esse mundo foi todo projetado em computador, ironicamente, e talvez esse seja o melhor aspecto do filme. Para o que vemos hoje, o CGI pode parecer muito forçado, mas eu simplesmente amei. Até porque se pegarmos a computação da época, ela devia ser bem próxima ao que foi mostrado. Logo, acabou que o filme ficou bem atual e futurista ao mesmo tempo, se isso é possível. Se fizessem esse filme hoje, levando em consideração que ele se passa em 1982, não seria tão legal porque a tecnologia CGI que temos hoje ficaria fora de sintonia com o passado. 
Além disso, a história é muito bem estruturada, apesar de que deve ter sido um pouco difícil para a população da época. Tanto que o filme foi considerado cult. Já no começo, temos várias referências sobre programação e software que, talvez, não seja de entendimento de todos até hoje. Citando Glória Pires, “Não sou capaz de opinar” se o público em geral terá afinidade com tudo o que é abordado no filme, já que faço Engenharia da Computação e não só consegui pescar tudo, como fiquei apaixonado por tamanha dedicação na construção do roteiro. Em outras palavras, foi como um amante da cultura pop assistindo Deadpool e suas milhares de referências.
Porém, a trama não fica só em termos técnicos, mas também sugere aplicações que são reais hoje em dia. O vice-presidente da ENCOM tem uma mesa touch e o Programa de Controle Mestre conversa com ele ao ponto de dar palpites sobre o que ele deve fazer. Temos todo o conceito de inteligência artificial sendo empregado na história, ainda mais com a representação de programas como pessoas e a sugestão de que eles “pensam” como nós. Além disso, existe um raio laser capaz de digitalizar uma pessoa e transformá-la em um programa.
Por todas essas características, acho o filme um marco na história da ficção científica, assim como foi Matrix. Não é por acaso que a Disney resolveu fazer uma continuação, sendo que na época, esses reboots/remakes/continuações de filmes antigos nem estavam em alta como hoje. Se você conseguir abstrair o período de realização do filme e enxergar a beleza da computação gráfica da época, vai amar o filme tanto como eu. Se eu já amava Tron só vendo o segundo filme, vendo o primeiro completou ainda mais a paixão que eu tenho por essa série. Depois dele, consegui enxergar toda parte de um enredo que não tinha enxergado em Tron - O Legado, mas isso, falarei mais abaixo. Infelizmente, por concorrer na época com E.T. de Steven Spielberg e não ser tão acessível para o público na época, Tron - Uma Odisséia Eletrônica não ganhou o destaque que merecia como o clássico que é.
PS: O próximo texto conterá alguns spoilers sobre Tron - Uma Odisséia Eletrônica.
Tron - O Legado

O segundo filme da franquia começa sete anos depois dos eventos do primeiro. Kevin Flynn agora é o maior acionista da ENCOM e comanda a empresa. Ele tem um filho, Sam, e um dia antes de visitar a loja de jogos que tinha na época que ficou desempregado, Kevin fala para ele que irá levá-lo para conhecer o Gride, mundo que ele criou dentro do sistema da ENCOM. Porém, ele desaparece completamente e Sam é criado pelos avós. O tempo passa e, em 2010, Alan recebe uma mensagem de Kevin através do bipe. Ele fala com Sam que intrigado resolve ir até a loja de jogos do pai. Lá, ele descobre um lugar secreto e ao reativar o sistema do computador, acaba sendo digitalizado para dentro do Gride.
Sim, você deve estar imaginando “nossa, mas Tron - O Legado é uma continuação reboot, não é?”. Pois bem, aí que está a questão. Eu diria que o filme estaria para seu antecessor, assim como Star Wars - O Despertar da Força está para a trilogia clássica. Se você for ver um seguido do outro, verá vários easter eggs que o produtor Steven Lisberger (roteirista e diretor do primeiro) colocou e isso faz o filme muito mágico. A história pode ser um pouco parecida, analisando friamente as duas sinopses, mas a essência é diferente. Ela respeita a época de exibição do filme com temas atuais e bem relevantes para a sociedade. Falarei sobre isso mais abaixo para não dar Spoiler sobre o filme.
O filme teve uma crítica mista por causa do abuso do CGI, mas na minha opinião, a computação gráfica foi a beleza dele, assim como foi com o antecessor. A direção de arte desse filme é de tirar o fôlego, talvez a mais bela dentre todos do gênero. Não consigo entender quem critica o CGI, já que ele nada mais é que a evolução da forma em que vemos e fazemos o entretenimento. É como criticar o Uber por achar que o táxi é o único e verdadeiro serviço de transporte. Os efeitos especiais são impressionantes e ganham a tela por se misturar com os atores. Para quem não sabe, o ator Jeff Bridges (Kevin Flynn) foi rejuvenescido em computação para poder fazer o papel de CLU, um programa que Kevin criou em 1989 para ajudar a construir o Gride, antes dele desaparecer. Foi algo muito bem feito e que não ficou artificial, ao meu ver.
Outro ponto alto e que dá todo clima do filme é a trilha sonora. Daft Punk conseguiu capturar tanto o clima, que não dá para saber se eles fizeram as músicas de acordo com as cenas ou se as cenas foram feitas a partir das músicas. O que torna tudo mais interessante é o fato da música eletrônica ocupar um espaço que majoritariamente é da música clássica feita por grande compositores. Não me recordo de ver algum filme com uma trilha sonora nesse estilo antes, ou que tivesse tanta força. Isso só reforça o papel que a história tem de ser algo atual e ir contra vários paradigmas que estão presentes na sociedade, por assim dizer.
Tron - O Legado funciona como uma sequência e um filme solo, ao mesmo tempo. Ele representa muito do mundo da tecnologia e fala sobre assuntos que impactam a vida de todos. O subtítulo “Legado” realmente faz sentido porque ele absorve as características principais do primeiro filme. Além de mostrar avanços tecnológicos atuais, faz projeções para o futuro, que hoje parecem mais palpáveis do que pareciam na trama anterior. Abaixo, analisarei mais a fundo assuntos que aparecem no roteiro dos dois filmes.
PS: O próximo texto terá spoiler sobre os dois filmes.
Inteligência Artificial
Um tema bastante atual, mas que foi tratado em 1982. Como pode? Por mais fantasioso que algumas pessoas achem que seja o tema, ele já era citado até mesmo por Alan Turing, considerado o pai da computação e que morreu em 1954. Naquela época, ele desenvolveu um teste capaz de identificar se um computador possui a capacidade de reproduzir a inteligência humana: uma pessoa se comunicava com um humano e um computador, via mensagens textuais, e teria que responder quem era o computador e quem era a pessoa. Se o computador conseguisse enganar, ele passaria no teste. O teste existe até hoje, com várias polêmicas entre programas que foram considerados vencedores por parte da comunidade e perdedores por outra parte.
Por isso, é complicado dizer que uma área que está em estudo, por pelo menos 60 anos, é totalmente fantasiosa. Ainda mais que hoje temos programas que falam conosco como Siri e Cortana. Porém, retratar isso em um filme naquela época foi algo bem audacioso, levando em consideração toda a problemática que foi levada para o filme. O MCP induzia o personagem Ed Dillinger a tomar decisões que beneficiavam à ele, programa, apenas. Mais do que isso, há um ponto do filme que ele afirma para o criador que, depois da criação, ele ficou 200x mais inteligente que Ed. Na época, todo mundo deve ter dado umas boas risadas com isso, mas hoje em dia o papo é outro. Bill Gates, Elon Musk e Stephen Hawking já admitiram preocupação com o que pode vir acontecer caso programas consigam atravessar a barreira da sequência de algoritmos criada pelos humanos e começarem a pensar por si próprios.
Para solucionar isso, no filme, Kevin Flynn cria Tron, um programa que defende o usuário. Esse é um conceito muito interessante. Enquanto o MCP quer ter controle sobre todo sistema e ainda ser capaz de entrar nos sistemas de bases militares do mundo para aprender mais, Tron é o representante humano no sistema, que permite controlar tudo o que ocorre nele e ele próprio ser controlado por um humano. Há toda uma metáfora na história porque MCP é visto com um ditador que controla todos os programas do sistema e deleta qualquer um que quiser, enquanto Tron é o heroi rebelde que quer libertar todo o sistema do regime opressor. Por mais que o “mundo” onde os programas vivem seja completamente surreal, é engraçado ver os programas serem representados com a aparência de uma pessoa.
Tron - O Legado também fala sobre inteligência artificial, mas de uma maneira mais leve. Até porque, o assunto não é mais novidade nos dias de hoje. O Gride, que foi criado por Kevin, é uma representação do sistema como se esse fosse o mundo real. Isso acaba impedindo o entendimento do grande público que não viu o primeiro, já que não deixa explícito que eles estão dentro de um sistema com vários programas. A impressão que fica é que eles estão dentro de uma realidade virtual e não no “mundo” da programação.
Porém, há uma algo super interessante relacionado ao tema: Quorra. Ela é um tipo de programa especial, chamado ISO, cuja espécie foi dizimada por CLU, que se sentiu ameaçado. Ela foi a única a sobreviver. Kevin vê em Quorra o futuro, já que ela enquanto ISO, é perfeita. Se ele conseguisse levá-la para o mundo real, poderia desenvolver as áreas da medicina e ciência em um nível incrível. Do outro lado, está CLU que quer sair do Gride e ir para o mundo real, o que é preocupante. Ele foi construído para apenas aceitar o perfeito e como diz Kevin no filme, “O que é mais imperfeito que o ser humano?”. No final, quando Quorra consegue sair do Gride junto com Sam, fica a pergunta: será que isso poderá acontecer no futuro? Será que algum dia iremos conseguir criar um programa no computador e transformá-lo em algo físico e humano? Isso, como prevê Kevin no filme, seria uma revolução e tanto. Seria a porta de entrada para curar doenças e resolver problemas do mundo atual, digitalmente.
Hacktivismo e Tecnologia Aberta
Não é só a tecnologia que pauta os assuntos dessa série, mas sim questões que a rondam e falam sobre assuntos aliados ao pensamento da sociedade. Tron - Uma odisséia eletrônica fala sobre um dos pontos que já abordei aqui no blog: ética no mundo digital. E isso é ainda algo muito atual. Não é porque estamos na internet que estamos em uma terra sem lei. Nossos valores devem vir à frente sempre. Porém, isso não foi um empecilho para Ed Dillinger roubar na cara dura o trabalho de Kevin Flynn.
Tron - O Legado evolui a discussão para um novo patamar: o hacktivismo e o embate entre a tecnologia “aberta” e a “fechada”. Vamos por partes: Hacktivismo é o termo designado a ataques hackers à grandes empresas com a finalidade de espalhar uma mensagem de cunho sociopolítico. A mensagem pode ser textual mesmo ou pode ser uma ação que tenha como pano de fundo um significado maior. Essa cultura não só está muito presente na vida real, mas no mundo do entretenimento também. A maioria das séries, hoje em dia, possui um hacker que pode ou não fazer algo ligado à isso. Um grande exemplo é o grande premiado Mr. Robot, (melhor série do ano passado, na minha opinião) série americana que estreou ano passado.
Uma das grandes discussões do mundo tecnológico recai também sobre os conceitos de tecnologia aberta e fechada. Uma tecnologia aberta, também chamada de Código Aberto, se trata de empresas licenciarem o código de programação do programa para todos. Dessa forma, o programa poderá ser usado e até modificado por qualquer um que assim desejar. A tecnologia fechada, ou Código Fechado, é justamente o contrário. Como exemplos claros, temos o Linux, sistema operacional que segue a linha do código aberto, e a Apple, empresa que é completamente fechada em relação a praticamente toda tecnologia, e não só com o sistema operacional. Na prática, isso quer dizer que se você quiser montar um computador e instalar o Linux nele, você terá êxito, mas o mesmo não ocorrerá com o Mac, sistema operacional da Apple.
No filme, vemos Sam Flynn, filho de Kevin, praticar hacktivismo em prol do código aberto que, segundo ele, era o desejo do pai. Ele se infiltra na empresa ENCOM e libera o sistema operacional de graça na internet. Há até uma passagem espirituosa sobre a única mudança do sistema velho para o novo ser um número maior na capa. O vazamento, para qualquer empresa séria de tecnologia que quer passar segurança e proteção, é muito grave. Em uma só ação, Sam consegue desestabilizar a economia da empresa e lutar por algo que ele e o pai acreditam. São essas questões filosóficas e éticas que tiram o filme e a franquia de apenas entretenimento pelo entretenimento para algo mais representativo, com uma mensagem. A aventura e a ação viram pano de fundo para um debate maior, que inspira o senso crítico do público. 
A Disney não toma uma decisão concreta sobre a franquia. Hora diz que vai continuar e lançar "Tron 3", hora diz que não. De qualquer forma, espero estar vivo caso a continuação ocorra. Tron é definitivamente a minha franquia preferida de filmes (desconsiderando as franquias de adaptações de livro).
OBS: Se você chegou no blog através dessa coluna e quer saber mais sobre esse espaço, leia a minha primeira coluna explicando o blog clicando aqui. Não deixe, também, de curtir minha a página no Facebook clicando aqui!
E você, o que achou da franquia? E da crítica?
Comente aqui embaixo! Sua opinião é importante! :D